Consumering

Se o marketing adapta um negocio ao mercado o que que fazem as empresas que se adaptam ao consumidor? Fazem Consumering. Um blog de artigos sobre como transformar uma empresa comercial num negocio de produtos preferidos pelos consumidores. www.consumering.pt

23/12/2004

Como fazer um homem usar saias?

Houve um tempo em que os homens se maquiavam, perfumavam, usavam pós, unções e cabeleiras exuberantes a coroar roupagens abundantes de rendas e folhos. Não, não foi no Castro de São Francisco dos anos 70, foi muito antes, dois séculos antes. Mas depois, depois veio a Revolução Industrial, a ascensão da classe trabalhadora, e subitamente já não parecia tão bem andar enfeitado. A bem da produtividade, por duzentos anos, os homens quiseram-se sóbrios, recatados e simples. Os homens do final do segundo milénio são como uma ferramenta, sem ornamentos, funcional e previsível.

Mas eis chegado um novo milénio, e com ele novas questões para a humanidade. Questões como porque é que os homens não gostam de cremes? Ou, de outra forma: Se as grandes empresas da cosmética vendem os seus produtos a apenas metade da população (os não-escoceses que usam saias) porque não duplicar a facturação vendendo cosméticos aos homens heterossexuais? E foi sob esta ameaça de ficar de fora do crescimento dos produtos-femininos-mas-agora-também-para-homem, que as grandes corporações do sector (a L’Oreal, a Esteé Lauder ou a LVMH) trataram de fazer o óbvio. Pegaram nas suas mais bem sucedidas marcas e delas fizeram versões masculinas. Às Biotherm ou às Vichy juntaram sufixos “pour homme” e potencialmente duplicaram o mercado. Nada mais errado. Nenhum macho que se respeite usará uma coisa cor-de-rosa chamada Clarins e ainda por cima em francês.

É que se fosse tão simples como isso, estariam hoje as prateleiras dos supermercados atascadas de “Evax por lui”. Mas não, para vender aos homens é preciso, antes de mais, respeitar a versão masculina do que é estético. O que, infelizmente, não existe. Os homens não têm sentido estético. Nenhum. Os homens só têm sentido de mercado, do que é aceitável, e não do que é belo. É que se não for esta a explicação, que outra então haveria para os bigodes, os porta-telemóveis ao cinto e as patilhas penteadas sobre a testa para disfarçar a careca? Os homens não se acham bonitos, e como tal não procuram ser bonitos. Os homens fazem apenas aquilo que julgam que a sociedade julga apropriado.

Os homens não se maquiam porque se fossem descobertos passavam uma vergonha. E não pintam o cabelo que as tintas não é mesmo coisa domem. E nem se perfumam, porque um macho se quer a cheirar a cavalo. Não, alto! De facto os homens já se perfumam. E como foi que os perfumes passaram a ser algo másculo e viril? Foram as mulheres que assim o quiseram. Desde que as mulheres defenderam o olfacto, incentivando o masculino uso de desodorizantes, o controle do cheiro deixou de ser tabu. E hoje até se vendem sticks unisexo, embora os homens ainda prefiram um bom Axe, pela sua promessa de aceitabilidade feminina.

Como se vê, os homens limitam o seu consumo ao que é aceitável pela sociedade, independentemente do sentido que isso faça. Tanto que só por convenção se pode compreende o hábito de pôr ao pescoço uma seta apontada à genitália. Logo, por convenção, os homens não consomem produtos para mulheres, nem sequer consomem produtos que, sendo para mulheres, dizem que são “pour homme”. Os homens a sério limitam-se a usar os produtos aceitáveis aos olhos da maioria, ou seja, das mulheres. É que na escolha dos cosméticos para homens, são também as mulheres quem decide. Veja-se o exemplo das tintas para o cabelo. Desde que as mulheres admitiram que o Cristiano Ronaldo fica bem de madeixas, ao champô e gel de pentear, juntam-se agora os bons resultados comerciais em experiências como o Fèria da L’Oreal.

Em jeito de recomendação, para a Aramis Lab Series, uma das tentativas mais consistentes (leia-se menos travesti) de vender cosméticos aos homens, além de reduzir o teor de gordura, porque fazer a barba já deixa a pele gordurosa que chegue, devem demonstrar que o uso masculino dos seus produtos é, senão desejável, perfeitamente aceitável para as mulheres.

NOTA - Este foi mais um tema pedido pelo Jornal de Negócios.

16/12/2004

O que preferem as crianças?

Chegado o Natal é altura das televisões e suportes publicitários que tal se encherem de apelos ao consumo infantil e imediatista. E são tantos os apelos, que alguns destes produtos se destinam mesmo às crianças. Entre máquinas de fazer pastilhas elásticas para miúdos de 7; elásticos para fazer o cabelo cor de pastilha às miúdas de 10; e whiskies velhos de 12, mal sobra espaço para aqueles produtores que precisam do Natal para sobreviver. Assim, para os gestores, esta pode ser uma ocasião para apreciar as diferenças nas preferências dos adultos e das crianças.

Uma diferença existe. Ainda que possa ser uma surpresa, as crianças sabem que são crianças. Por isso mesmo, as crianças não se deixam impressionar quando um fabricante lhes tenta impingir algo só porque foi feito a pensar com infantilidade. Aliás, dos 7 aos 70, há sérias razões para desconfiar que uma alegação de adequação a um qualquer tipo de consumidor (do tipo, “para aqueles que procuram o melhor” ou “para quem exige sempre mais”) funcione como incentivo para comprar o que quer que seja. Mas, adiante, as crianças não precisam de ser lembradas que são crianças, como tal, dizer que um produto foi feito a pensar nas crianças serve, quando muito, para pressionar os pais pouco atentos. Qualquer criança sabe que ser criança não é um defeito, logo a adequação infantil dos produtos não é argumento que leve a criançada a comprar.

Outra possivel especificidade das preferências consumistas dos menores poderia ser a consideração por quem se devote às causas infantis. Seria o equivalente pré-pubere do que alegam os bancos, ou as gasolineiras, ou todas aquelas outras empresas para crescidos, que anunciam merecer o dinheiro dos seus clientes apenas porque lhes sorriem energicamente, ou estão sempre do seu lado, ou pior ainda, dão-lhes a qualidade de-vida. Mas se a associação de caracteristicas vagas às marcas não ajuda às vendas dos produtos para adultos, como se poderia esperar que essa “publicidade institucional” ajudasse a vender o que quer que seja às crianças. Apesar de pequenas, as crianças não são parvas. O dinheiro que gastam, que é dos pais, é gasto para obter um retorno real dos produtos que escolheram. As crianças são consumidores razoáveis, querem o mais cómico dos brinquedos e não querem declarações de intenções.

E isto porque, finalmente um factor de distinção, as crianças gostam mesmo de experimentar. Os novos gostam de novidade. Tanto que não têm medo de arriscar o subsídio de Natal num qualquer jogo mirabolante que nunca viram antes e nunca mais usarão depois. Ao contrário dos adultos que ponderam bastante as suas decisões, para depois racionalizar os seus erros, as crianças gostam de coisas novas e não compram algo porque já a têm ou sempre a compraram assim.

Enfim, foram as Ruffles que explicaram a coisa com o “até que idade pensas divertir-te”. Quando se tem pouca idade só se pensa em diversão. E é diversão que as crianças procuram nos produtos que preferem. Querem os mais divertidos, os mais animados, os mais hilariantes. São estes os brinquedos que mais vendem. Logo, todos os produtos para crianças parecem ser brinquedos e também parecem ser todos de rebentar a rir. Perante uma oferta tão animada, o que acaba escolhido pelos infantes será o brinquedo que fizer uma de duas coisas: Uma é garantir que todas as crianças da escola também acharão piada à coisa (o que explica porque se vende tudo quanto seja merchandising da Pixar). Outra, é ser aquela uma brincadeira nova e nunca vista (porque a fantasia se quer bem fantasiosa, os jogos tipo Digimon são ainda mais complexos que o bridge). Assim se vê que as crianças são até mais previdentes que os adultos, ao menos, os menores só compram tudo o que lhes parecer divertido.


Nota: Este tema foi pedido pelo Jornal de Negócios, para um reportagem especial que saiu hoje.

12/12/2004

7-II) O "efeito boazona"

Este artigo, devidamente melhorado, vai sair no Meios&Publicidade e depois volta