Consumering

Se o marketing adapta um negocio ao mercado o que que fazem as empresas que se adaptam ao consumidor? Fazem Consumering. Um blog de artigos sobre como transformar uma empresa comercial num negocio de produtos preferidos pelos consumidores. www.consumering.pt

21/09/2004

3 (season II) - A salvação dos vivos

Em quase todas as categorias existe um concorrente que dispõe de todas as vantagens. Preferido pelo consumidor. Acede primeiro à distribuição. Vende o dobro ou mais do que qualquer outro. E, mesmo quando erra, a coisa passa, e a vida continua. Esse aparente senhor supremo do mercado é chamado o Líder. E apesar de haver quem mais que se ache um líder, o verdadeiro, o líder, é só um.

Em Portugal, a Igreja Católica é um exemplo paradigmático de liderança num mercado. Ao pé da Igreja, os outros incumbentes não passam de uns amadores menores. Nem mesmo a PT ou a EDP recebem o tratamento preferencial do regulador que a Igreja afirma ter. E portanto, quando se pensa em monopólios instalados é fácil reconhecer que a Igreja é o líder absoluto da salvação.

Nestas coisas do marketing nunca se sabe se é o marketing que se aplica à religião se foi a religião que inventou o marketing. Apesar do segundo caso ser mais provável, já que, milénios antes de Neil McElroy ter recomendado a adopção do Brand Managment na Procter & Gamble, já as religiões exploravam o mercado das almas. Mas prosseguindo.

O mercado das almas funciona mais ou menos assim: O consumidor, aqui chamado crente, paga os serviços (normalmente em comportamento) enquanto o fornecedor, a Igreja, vende a salvação da alma. Na Europa do Sul, a Igreja, a Católica, conseguiu uma vantagem competitiva fundamental quando, logo no seu arranque, se declarou a preferida do regulador e, mais importante ainda, introduziu o produto “salvação depois da morte”, arrasando de vez com os pouco fiáveis serviços climatéricos para agricultores e comerciantes pagãos.

Há 2 mil anos atrás, a Igreja Católica introduziu um produto novo, salvação na outra vida, e com isso conquistou um mercado espantosamente grande. Mil anos depois, e já com a igreja bem instalada, vieram então os seus concorrentes, os protestantes, e os cismas. Ainda nessa altura, mesmo perdendo quase metade do seu mercado, a igreja católica defendeu-se, declarando-se a verdadeira, a única e a original e expandindo-se para os novos mercados americanos.

Entretanto, mais mil anos se passaram e actualmente a ameaça ao negócio católico das almas, já não aparece sob a forma de uma religião organizada alternativa (ainda que a IURD faça umas razias nos clientes mais valiosos). Dizia-se, a grande ameaça que enfrenta agora a Igreja Católica é o esvaziamento do seu mercado, por via dos agnósticos, dos indiferentes. Daqueles que não querem o produto e por isso mesmo não o compram.

Aconteceu que, nos últimos dois séculos, a vida das classes médias melhorou tanto que estes já não querem saber da salvação noutro mundo. A classe média ocidental, está agora muito mais interessada em aproveitar este mundo. E não está mais compradora de propostas do tipo: “sofres agora, recebes depois”. Assim, à Igreja Católica põe-se o dilema que, mais cedo ou mais tarde, atormenta quase todos os líderes. O que fazer quando os clientes deixam de querer o produto? O que fazer quando se é o líder no mercado das televisões a preto e branco, ou dos vídeos VHS, ou do cinema mudo, e dos rolos fotográficos?

Quando um líder se depara com uma séria ameaça à sua categoria, pode fazer uma de duas coisas. Ou se deixa estar, e resiste, e com isso reduz-se um negócio que já foi de um bem de primeira necessidade, para um nicho luxuoso e exótico. Como por exemplo fizeram os fabricantes de arreios para cavalos. Ou então, a outra alternativa de um líder ameaçado é ser ele próprio o condutor da inovação. Afinal, se o modelo de negócio vai ser destruído então que seja o líder a ficar com os cacos.

A Igreja Católica, se pretende continuar a ser uma instituição de massas, tem de se reconciliar com esta vida. Tem de fornecer evidências concretas que o seu produto, produz mais felicidade agora, nesta terra e deixar-se de promessas improváveis de uma outra vida no além.

Uma vez que os potenciais crentes actuais estão reconciliados com a sua vida mundana, não resta senão à Igreja Católica reconhecer isso mesmo. Reduzindo o nível de investimento em rezas e provações que espera dos seus crentes, e apostando apenas em demonstrar como se consegue ser feliz, agora, usando os ensinamentos do Senhor. A Igreja deve revolucionar-se, celebrando esta vida, em vez de a associar à morte.

Fatidicamente todos os verdadeiros líderes acabam confrontados com um mesmo dilema. Aquelas coisas que toda gente sabe que eles fazem lindamente, até ao menino Jesus deixam de interessar. Então, o que antes era uma empresa fundamental, acaba numa arrecadação da história, como nada mais que um saudoso fazedor de objectos de colecção. A não ser que, por não ter feitio para fornecedor das Colecções Philae, as marcas líderes defendam a sua posição de liderança, tendo a coragem de se atacar a si próprias.

Se é certo que, no futuro, alguém vai dar cabo do mercado, que seja o próprio líder a fazê-lo, encontrando novas e espectaculares formas de fazer ainda melhor aquilo que já fazia bem antes. Uma estratégia de auto-superação que tem servido muito bem a Gillette e o Pantene. Porque afinal, parar é morrer, e está mais que visto que no mercado de consumo, se tem muito pouca fé na vida depois da morte.

17/09/2004

O verdadeiro Caso de Estudo:

Assumindo como verdade que a Igreja Católica está a perder clientes. Tomando por verdadeiro que esses ex-clientes não estão tanto a mudar para a concorrência tipo IURD, quanto estão a abandonar a categoria para o agnosticismo. Acreditando que a “Palavra do Senhor” não é exactamente a palavra da igreja e, como tal, é sujeita a interpretação.
Logo, há que ter fé que a igreja pode/deve/vai fazer alguma coisa para defender a sua liderança.

O que deve o Vaticano fazer para manter o seu negócio das almas?

14/09/2004

2 (season II) - Aquilo que toda a gente faz

Qualquer ser humano que faça uma introspecção séria às suas motivações vai descobrir, ainda que com espanto, que uma boa parte das suas iniciativas se destinam a melhorar a sua vida sexual. É um tema cheio de tabus, pejado de dissimulação, é até difícil de abordar, mas não há que enganar. Do tanto que no mundo se faz, o principal motor é mesmo a satisfação física. Claro que há quem conteste, quem se julgue superior, quem se negue a admitir. Mas os factos estão lá. O que cada um é para os outros, é muitas vezes o reflexo do que cada um precisa de ser, para bem do seu desejo. Fique-se então com esta. O bem-estar sexual é um objectivo humano incontornável e os relacionamentos são uma das categorias de produto com maior envolvimento do consumidor.

No produto sexo, todos são compradores, todos são vendedores e cada transacção é o resultado de uma escolha que prevalece sobre uma infinidade de alternativas. Então, se há escolha envolvida, o marketing é importante, não fosse o marketing o modo de tornar evidente a vantagem de uma escolha sobre às alternativas. Logo, como em qualquer produto, para tornar a escolha preferível, o fabricante tem de proporcionar ao comprador um ganho considerável. Chama-se a isso oferecer um Benefício e, no mercado do sexo, para o comprador o benefício é só um, o prazer.

O mercado do sexo é então uma categoria mono-beneficio. Ou seja, no sexo, a generalidade dos compradores, entra no mercado em busca de uma só vantagem, o prazer. E se assim é, para os fornecedores, facilitar a escolha devia ser linear. É uma questão de dar mais prazer. Só que, com tantos milhões de fornecedores não é credível que a abordagem de “ser o melhor do mundo”, vá colher os seus frutos. Está bem claro que, se toda a gente tem prazer para dar, procurar ser reconhecido como aquele que, de entre todos, dá mais prazer, não vai funcionar.

Postos perante o dilema de fazer o mesmo que a concorrência e simultaneamente precisar de ser o preferido, os gestores de marca tendem a achar que a coisa se resolve sozinha, que basta também existir e também anunciar para que alguém acabe por comprar. Estranho é que, nas suas vidas, não apliquem a mesma solução. Fossem estes gestores, fora do horário de expediente, amantes generalistas ao serviço de quem aparecer e entenderiam bem o erro da sua estratégia.

Na vida de cada fornecedor de prazer não é quem promete mais prazer quem mais vende. É que essa parte do mais prazer já era, já esta assumida, a distinção, a escolha, deixou de ser feita pelo que se faz, para tornar importante a forma como se faz. E o prazer vem agora em imensas formas. A mais comum é a dedicação a um parceiro, a monogamia. Mas também há a facilidade de acesso. Ou a dificuldade. Ou os negócios de nicho, e as suas infinitas sub-categorias dos voyers, exibicionistas, swingers, púdicos, homo, bi, virgens, etc, etc.

Para que um fornecedor de prazer seja escolhido tem de convencer o potencial comprador que o prazer que vai receber é especial, único e irrepetível. Ora porque é monogâmico, ora porque dispõe de um qualquer atributo reconhecível, como o ser grande ou giro, ou até porque é o único que se arranja para aquele caso. Tem é de ser um exclusivo do fornecedor. Uma condição que explica bem o sucesso que a virgindade faz neste mercado.

No sexo, que deve ser a categoria mono-beneficio com maior concorrência. Não importa tanto o que se faz, quanto importa o como se faz. Ou seja, no sexo a escolha depende do RTB (que vem do inglês “Reason to Believe”), a Razão para Acreditar na capacidade de dar prazer. Quando todos os compradores procuram a mesma coisa, e por isso todos fornecedores prometem a mesma coisa, a forma de potenciar a escolha, o Motivo de Compra, precisa de incluir, além do Benefício (que lembre-se, é igual para toda a gente) a forma como o fabricante garante a entrega desse benefício. Como seja o modo como o produto funciona, que por ser única, levará o comprador a acreditar que será especialmente bem servido.

Além do sexo, há mais categorias mono-benefício, como os detergentes da roupa. Onde todos os produtos servem para o mesmo, e todos os compradores querem o mesmo benefício, a limpeza. Então, cada uma das marcas não teve outra alternativa que não fosse incluir no seu Motivo de Compra uma Razão para Acreditar. Que vai desde a recomendação dos fabricantes, até ao lava o mesmo mas mais barato, passando por ter amaciador ou até aos cómicos glutões papa-nódoas.

Nas categorias mono-benefício, o que importa é o como se faz, já que tal como no sexo, toda a gente o faz. Assim, uma marca que queira ser preferida numa categoria onde todos andam atrás do mesmo, tem mais é que fazê-lo de forma diferente, apostando a sua reputação numa exclusiva Razão para Acreditar, credibilizadora do que faz bem. Já que a alternativa do fabricante é deixar que a escolha recaia sempre no líder da categoria. Implicando que ser o líder é a melhor posição de todas

08/09/2004

1- II) - Reformar Portugal

O que é que Portugal faz bem? Nada. Ou pelo menos é o que parece quando se escuta tantos dos fazedores de opinião. Ainda que todos concordem em apostar, em corrigir, em desenvolver, em generalidades e das boas. Mas em quê? Isso já é mais difícil. E, como tal, depreende-se que Portugal é bom é a fazer nada e que por isso se devia reformar. É uma boa ideia.

Mas ainda antes de se por a pensar na reforma, imagine um garfo. Um garfo normal, é um produto mesmo aborrecido e desinteressante. Um gafo é um garfo. Não tem nada de saber. Agora imagine que o garfo em questão é Made in germany - como é que seria o garfo alemão? E se o garfo fosse italiano, que tal seria? Já agora como é um garfo fabricado no Japão?

Nesta cutelaria imaginária encontram-se os seguintes produtos: Garfos alemães de liga fantástica, que nunca se enferrujam nem entortam. Os italianos, transpiram design. Lindos, decoram qualquer mesa de jantar, mas só quando há visitas, porque são impossíveis de usar no dia-a-dia. Os japoneses, se não forem pauzinhos, são pequenos, e com um sensor electrónico para medir a temperatura da comida, não vá o comensal queimar-se.

Estes países têm uma percepção que se reflecte nos seus produtos e que os ajuda a vender. Percepção esta que deriva da sua História e dá aos seus produtos verdadeiras vantagens competitivas. Veja-se a França em que o luxo de Versalhes vende o luxo dos seus cosméticos e perfumes. Ou então a terra da oportunidade, sempre abundante e sem história, que faz do Made in USA sinónimo do que é grande e descartável. A percepção dos produtos nacionais é em primeiro lugar condicionada pela História dos países. Mesmo em Portugal.

Só que para o Europeu médio, Portugal não tem grande História. Ou seja, os Europeus sabem que em Portugal não se passa grande coisa: O clima é bom e tolerante; Não há animais selvagens; Não existem tufões, nem terroristas; Há pouco crime e até as revoluções são com flores. Se os italianos herdaram o estilo do renascimento. Os portugueses têm o país onde não acontecem nem coisas excitantes (como em Espanha), nem coisas previsíveis (como na suíça). Em Portugal não acontece nada. Portugal é um país onde se está bem, onde se vive bem, onde ninguém chateia e onde as coisas andam devagar.

Por isso é que em Portugal se faz móveis confortáveis (e não móveis de design), se faz coisas de cortiça (por que são fofinhas), se faz monovolumes (e não carros desportivos). Portugal é desenrascado em sectores confortáveis (como o têxtil-lar) e um quase desastre em tudo o que for modernices de alta tecnologia. Portugal é o país do conforto. E o principal produto do país do conforto tem de ser o turismo residencial de terceira idade

A maior indústria da Florida são os condomínios para reformados e a Florida é, graças a esta aposta, o 2º estado mais rico dos EUA. Portugal, a exemplo da Florida, pode tratar de pôr os reformados da Europa ao sol e viver à custa das europeias seguranças sociais. Depois, com os reformados, viriam de férias os respectivos filhos e netos e com eles mais turismo e mais consumo. Se Portugal acolher 250mil reformados (e só na Alemanha há uns 15 milhões) o PIB cresce 5% (uma reforma 300 contos x 250 mil = mil milhões de contos/ano = 5% do PIB). E se vier um milhão de reformados? Já se vê. Fica um país rico e nem sequer faltam os loteamentos aprovados.

A esse dinheiro (que está disponível porque não existe ninguém a apostar a sério nesta oportunidade) junta-se ainda todo o efeito de contágio dos produtos nacionais. Móveis confortáveis, Sapatos que não aleijam, Roupa para ir à esplanada. Televisões que não ferem os olhos. O país do conforto é uma ideia onde Portugal pode competir. Não é tecnologia, porque os europeus têm tanta razão para temer a inovação portuguesa como nós temos para desconfiar dos Fiats usados. Não é mão-de-obra barata, porque nisso nos ganham os pobres dos filipinos. O conforto é algo que Portugal faz bem (fazer nada) porque se deduz directamente da nossa Herança.

Em todos os mercados, a Herança é o primeiro lugar onde procurar o Motivo de Compra da marca. Todas as marcas têm uma história, a sua Herança, e essa mesma Herança indica o que se pode esperar dela. Se uma marca é nova, será inovadora e não conservadora. Se uma marca é conhecida por ser estrangeira, pode ser sofisticada, mas nunca tradicional. Se é da Sonae terá sempre o seu quê de hipermercado. A Herança é aquilo que os consumidores já sabem de uma marca e por não gostarem de mudar de ideias, continuam sempre a achar que é verdade.

As marcas que querem ser preferidas devem ter um Motivo de Compra que é uma declinação da sua Herança. Como toda a gente sabe, 9 em cada dez estrelas de cinema preferem lux, assim, quando o sabonete saiu da sua morte prematura para voltar às prateleiras, era óbvio que tinha de pegar nas estrelas e na sua preferência. Era um rótulo que lhe vinha pegado. A questão agora é saber se vai funcionar. Saber se hoje em dia, alguém ainda quer a água do banho das celebridades. Isto porque, mesmo honrando a Herança, o Motivo de Compra tem de ser benéfico para o consumidor.